terça-feira, 27 de maio de 2008

O homem excelente e o homem vulgar


A busca da areté, é portanto, um atributo exclusivo do homem de valor, do que se destaca e ascende entre tantos outros. Na ética guerreira de Homero não se cogitava que nascidos de ventre ordinário pudessem almejar tal prêmio. Ao de baixa origem era reservado um destino anônimo de um figurante sem brilho. Quando a morte o apanhava em meio ao tumulto da batalha não havia dor nem luto, era um simples ninguém que jamais seria incluído no Livro dos Heróis. Tudo era diferente quando um guerreiro invulgar, um notável reconhecido por todos, era abatido. Por vezes, até o combate cessava em sinal de sincero respeito frente à triste notícia de tamanha perda. Aquiles, em homenagem póstuma a Pátroclo, seu companheiro de aventuras, desaparecido do mundo dos vivos por obra do gládio de Heitor, príncipe de Tróia, decide honrá-lo na cerimônia final de cremação do corpo com jogos e disputas viris. Distribui entre os competidores vencedores, parte considerável do seu patrimônio: "caldeiras, trípodes, cavalos, mulas, bois, belas mulheres, armas e talentos de ouro" (Canto XXIII – Os funerais de Pátroclo).
Alcançar a areté, a virtude que irá imortalizar o guerreiro, não é pois um apanágio de todos eles. O verdadeiro opositor do demandante não é nem nunca foi o homem comum (demiurgói), mas sim um outro seu igual, nobre como ele. Ainda que pertençam a uma casta especial, tida como a dos melhores homens (aristói), somente uns poucos se qualificarão. Heitor, em seus derradeiros momentos, ao ver que a morte lhe chegava, disse: "Agora, meu destino encontrou-me. Que eu não pereça docilmente, sem bravura e sem glória, mas praticando um grande feito para os ouvidos das gerações que hão de vir" (Canto XXII, 304-5).
Nem o escravo nem aquele que algum dia foi homem de origem ilustre mas tornou-se escravo (pois os deuses removem dele o que lhe restara da areté), poderá sequer sonhar com tal aspiração. Esses pobres estão condenados ao esquecimento. A vida deles foi-se como uma folha ao vento, sem deixar saudades ou qualquer outra lembrança. É frente aos seus pares que o herói irá colher o "reconhecimento" e o "prestígio" que lhe é devido. Somente ao vitorioso é que poderemos chamar de monarca dos aristocratas. (*)
(*) O tema de haver um duelo primeiro entre iguais que depois, conforme quem vença ou saia derrotado, irão se separar para sempre, um como senhor o outro como escravo, foi exposto por Hegel numa célebre passagem da "Fenomenologia do Espírito" (IV- A – "A independência e dependência da consciência de si: Dominação e Escravidão", editado em de 1807). O vitorioso, por sua vez, dali em diante, como "consciência para si", sempre terá que se mostrar, exibindo-se frente aos seus pares, os vitoriosos de outros duelos, "a outra consciência", para merecer deles o "respeito" e o "reconhecimento".

Nenhum comentário: